Aldeia estaria se mobilizando para exigir providências da Prefeitura, para que resolva o problema de atendimento na UPA
Indígenas da aldeia Sangradouro, da etnia Xavante, localizada em Primavera do Leste estão denunciando as equipes médicas da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade por negligência e discriminação no atendimento oferecido a eles. Três pacientes já morreram neste ano, entre eles uma criança de 3 anos, em decorrência do descaso no atendimento.
De acordo com Elinaldo Tsereaube Tsereomorate, a UPA fica a cerca de 40 minutos de carro da aldeia deles. Ele contou que a aldeia já recebe atendimento médico de uma equipe do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xavante, contudo, quando há algum caso mais grave há a necessidade de buscar atendimento na UPA. Elinaldo contou que a situação piorou na atual gestão da Prefeitura. Além do bebê, apenas neste ano já morreram outras duas pessoas, um jovem chamado Dirceu Tsaire e Ermelinda Tsinho, uma mulher de 32 anos, cunhada de Elinaldo.
“A minha cunhada tinha um caso muito sério de cirrose hepática. Já chegou na UPA com a barriga cheia de água, olho azul, ficou quatro horas aguardando sentada o atendimento. Podiam muito bem ter encaminhado ela para uma cama, para receber atendimento do jeito que tinha que ser. Chamou todo mundo que estava ali, menos ela, que era um caso mais grave. Ela faleceu já no Hospital São Lucas. Teve essa falha também, atendem mal, veem que está complicando e jogaram pra outro”, contou.
Conforme o relato, quando chegavam à UPA, já em situação de emergência, a equipe que os atendia os encaminhava para a fila comum, ao invés de encaminhá-los ao atendimento de emergência. Elinaldo contou que os indígenas percebiam que recebiam um tratamento diferenciado, mas por dificuldades com a língua portuguesa ou por medo de não receberem qualquer atendimento, muitas vezes ficavam calados. Contudo, com os três casos de morte, que foram presenciados por uma enfermeira do DSEI, tiveram certeza que o atendimento que recebiam não era o devido.
“Pelo que a gente está vendo, esta sequência, repetindo as coisas, não é normal. A equipe em si, está trabalhando de uma forma discriminatória, está discriminando o meu povo. Vamos falar direto, é um preconceito. Porque a gente percebe isso, a gente chega lá com paciente, passa na triagem e demora para chamar. E quando vamos para a UPA já é situação de emergência”, disse o indígena.
Ele afirmou que sua aldeia está se mobilizando para exigir providências da Prefeitura, para que resolva o problema de atendimento na UPA. Além disso, também devem formalizar uma denúncia junto ao Ministério Público Federal.
“Tem esse caso da própria enfermeira do DSEI ser barrada e mandada para a recepção com o bebê. É porque era uma criança indígena sendo carregada. Acredito que se fosse uma criança branca, estaria passando na frente (…). Tem gente que olha para pobreza e para raça, aí acaba desconsiderando e fazendo uma desumanidade. A gente sente essa desigualdade”, afirmou.
Os casos
O primeiro episódio de negligência deste ano ocorreu quando uma criança indígena foi levada à UPA por um técnico de enfermagem da equipe que atua na aldeia. O estado dela era grave, sofria com diarreia e outros sintomas. Segundo os relatos, ela foi avaliada por um médico e então foi deixada por horas aguardando o resultado de exames e reavaliação. Neste caso a vítima não morreu.
O primeiro caso de morte foi o de uma criança com neuropatia que foi levada à UPA pela enfermeira do DSEI após ficar com os sinais vitais instáveis. A enfermeira teria tentado levar a criança para receber atendimento diretamente no box de emergência da unidade, mas foi barrada pela equipe da UPA e levada à recepção para que realizasse os procedimentos comuns e aguardasse na fila pelo atendimento médico. Ela tentou alertar que o caso da criança era grave, que estava tendo convulsões, mas foi ignorada.
Enquanto a ficha era feita a criança entrou em convulsão, mas o enfermeiro da UPA teria dito que era normal. A criança acabou morrendo nos braços da enfermeira do DSEI, na UPA. Só então o enfermeiro que fazia a ficha aceitou levá-la ao box de emergência, onde tentaram fazer a reanimação, mas sem sucesso.
Em um outro episódio a enfermeira do DSEI acompanhou a paciente Ermelinda Tsinho, a cunhada de Elinaldo, à UPA. De acordo com os relatos, elas passaram cerca de cinco horas aguardando a reavaliação, já após realizarem os exames, e segundo Elinaldo, a equipe da UPA teria olhado todos os resultados dos exames dos outros pacientes, brancos, primeiro, apesar da gravidade do caso da indígena. Após a reavaliação pelo médico, foi constatado que o caso, de fato, era grave e então houve a internação e depois encaminhamento para o outro hospital, onde ela morreu.
A última morte foi de um paciente, o jovem Dirceu Tsaire, que se queixava de dores abdominais e fraqueza. A equipe do DSEI então o encaminhou à UPA, pois ele já apresentava palidez. Horas depois a enfermeira foi à UPA com outra paciente, em situação também grave, acreditando que o outro indígena já teria recebido o devido atendimento médico.
Ao entrar na sala de soroterapia ela encontrou o indígena sentado, em estado cianótico, com a pele e lábios com coloração azulada/acinzentada. Ela verificou que ele já estava morto há algumas horas e outros pacientes da UPA confirmaram que ele estava naquela posição há bastante tempo. Disseram também que o indígena reclamava de dores para as enfermeiras, mas ninguém lhe prestava assistência. A enfermeira do DSEI então chamou a equipe da UPA para que tentassem reanimá-lo, mas o óbito apenas foi confirmado. A situação teria gerado revolta, inclusive, de outros pacientes que presenciaram o caso.
Fonte: OlharDireto
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