Lula no vermelho, economia no azul
O enfraquecimento do ex-presidente reduz as chances de vitória de uma agenda populista em 2018. Diante da retomada do crescimento econômico e da perspectiva de algum avanço da reforma da Previdência, os investidores voltaram a apostar no Brasil, quebrando várias vezes o recorde do Índice Bovespa
Nas eleições presidenciais de 2014, o mercado financeiro não escondia as suas preferências. Quando o tucano Aécio Neves subia nas pesquisas, a bolsa de valores disparava e o dólar recuava. O movimento inverso acontecia toda vez que a petista Dilma Rousseff aparecia como favorita à reeleição. O tal mercado nada mais é do que um conjunto de investidores nacionais e estrangeiros ávidos por ganhar dinheiro com aplicações financeiras. Na hora de fazer suas apostas eleitorais, o que lhes interessa é saber qual agenda econômica sairá vencedora.
A pouco mais de um ano das eleições de 2018, o Índice Bovespa não para de subir ao mesmo tempo em que o ex-presidente Lula, o principal nome da esquerda, se enfraquece diante de denúncias que partem até de antigos companheiros, como o ex-ministro Antonio Palocci. Para o mercado, quanto menor for a chance de vitória da agenda econômica do PT, melhor para o País. Esse cenário eleitoral, aliado à retomada do crescimento, já em curso, fez disparar, nos últimos dias, as ordens de compra de ações de empresas listadas na B3 (novo nome da bolsa, após a fusão entre a BM&FBovespa e a Cetip). Resultado: sucessivos recordes do índice Bovespa. Na quarta-feira 13, Lula esteve novamente frente a frente com o juiz Sergio Moro, em Curitiba.
Ao longo de duas horas, o petista negou qualquer acerto ilícito com a Odebrecht e rebateu as acusações de Palocci, de que ele teria feito um “pacto de sangue” com a construtora. “Ele [Palocci] é dissimulado e frio”, afirmou o ex-presidente. “Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade.” Por meio de advogados, Palocci afirmou que “dissimulado é ele [Lula], que nega tudo o que lhe contraria”. Na avaliação dos especialistas, o enfraquecimento do principal nome da esquerda deve ser refletir nas próximas pesquisas, especialmente no índice de rejeição. “As acusações de Palocci diminuíram a chance de Lula ser candidato”, afirma Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria e professor do Insper. “Aumentou, portanto, a chance de um governo de continuidade, embora o discurso populista de Lula seja sedutor para uma parcela da sociedade.”
Dois dias antes, em evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso definiu a agenda da esquerda como “populista-desenvolvimentista”. Para o tucano, o grupo liderado por Lula defende uma farra de crédito insustentável. “Nos últimos tempos, no Brasil, houve uma certa embriaguez, que era a ideia de que, talvez, o governo pudesse resolver todas as coisas aumentando o crédito e estimulando o consumo”, disse FHC. “Foi uma grande ilusão.” Ao lado do ex-presidente, estavam dois tucanos de alta plumagem que pleiteiam a candidatura à Presidência da República: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital paulista, João Doria. Os dois se cumprimentaram, trocaram gentilezas, mas a disputa no PSDB é tão escancarada que mereceu um recado público de FHC: “Unimo-nos! Se nós não nos unirmos, os riscos estão aí, da demagogia.”
A plateia, formada por cerca de 800 empresários, ouviu com atenção a fala de 39 minutos do ex-presidente. O balançar positivo de cabeças acompanhava os elogios de FHC à agenda reformista, de ajuste fiscal e de privatizações do governo Michel Temer. No dia seguinte, em novo evento empresarial, Doria defendeu a privatização gradual da Petrobras e a fusão entre o Banco do Brasil e a Caixa. “Não vejo razão para o Brasil ter dois bancos [públicos]”, disse o prefeito de São Paulo. No setor produtivo, o apoio à atual agenda econômica é amplo e irrestrito, e a sensação é de que o País já está voltando aos trilhos. “Estamos crescendo dois dígitos neste ano. Somente em julho, a alta foi de 15%”, diz Edmar Augusto Bull, presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav). “Resolvendo a parte política, o turismo decola automaticamente.”
A favor do governo Temer há aspectos políticos e econômicos. A 2ª denúncia contra o presidente da República, apresentada pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, na quinta-feira 14, nasceu desnutrida diante das gravações entre Joesley Batista e Ricardo Saud, que comprometem o próprio Janot. No dia seguinte, o pregão da B3 abriu novamente em alta. Para o mercado, o que interessa é saber se Temer terá força no Congresso. “A reforma da Previdência – mesmo que desidratada – deve voltar à pauta do dia”, diz Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados. Do lado econômico, há boas notícias que fortalecem a atual agenda do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (leia quadro ao final da reportagem). Na quinta-feira 14, o Banco Central divulgou o seu índice mensal de PIB, com alta de 0,4% em julho. Significa, na prática, que o segundo semestre começou em alta, após dois trimestres consecutivos de expansão.
Diante de um baixo nível de investimento, a mola propulsora do crescimento é o consumo, impulsionado pela liberação de R$ 40 bilhões em contas inativas do FGTS e pela queda da inflação. A etapa seguinte será a entrada em cena do crédito (leia reportagem aqui). No mesmo dia, ao participar da abertura da premiação AS MELHORES DA DINHEIRO, em São Paulo, Meirelles ressaltou a volta do crescimento e, num discurso para centenas de empresários, demonstrou confiança nas reformas. “Acreditamos na aprovação da reforma da Previdência ainda neste ano”, disse o ministro. A função do mercado de ações é antecipar os ciclos econômicos. Ao superar o patamar histórico de 75 mil pontos, o índice Bovespa refletiu claramente o apetite dos investidores, incluindo os estrangeiros, que voltaram a “comprar Brasil”, no jargão financeiro. Melhor ainda num ambiente global favorável, com juros baixos, inflação controlada, expansão de PIB e muito dinheiro à espera de oportunidades.
Como qualquer aposta, há riscos no horizonte. Mas o mercado resolveu encará-los, inclusive os da área política. “As incertezas políticas já foram incorporadas pelos agentes econômicos, gerando um descolamento entre a política e a economia”, diz Antonio Megale, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Espero que o Congresso tenha o bom senso para avançar com as reformas.” O cenário-base traçado para 2017 e 2018, que justifica a recente euforia do mercado, tem as seguintes premissas: Temer fortalecido para aprovar a reforma da Previdência Social; Lula fora do jogo eleitoral; e a vitória da atual agenda econômica nas urnas. Ainda falta mais de um ano para as eleições – e reviravoltas podem acontecer, ainda mais no País das malas cheias de dinheiro –, mas o relógio econômico passou a jogar a favor daqueles que combatem o “populismo-desenvolvimentista”.
Istoé Dinheiro
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