Professores querem ano letivo dado como “perdido” e expõem conversas com alunos
Por que você não fez a tarefa?” – cobra o professor pelo WhatsApp. “Porque passei a semana no sítio e cheguei hoje”, responde o aluno. “Tudo bem, faz agora”, rebate. Nisso, a menina manda uma foto, com material de limpeza ao lado, e informa que está assistindo aula, enquanto faz faxina em casa.
Corta!
Um outro professor questiona o aluno. “Você está sem acesso ao teams (plataforma usada pela Seduc para aulas virtais)?” O aluno manda print do sistema fora do ar. “Já até desisti, vou pegar apostila (outra forma de acompanhar as aulas)”. Este é o caso de um aluno considerado “excelente”, se mostrando frustrado por não ter wifi.
Corta!
“Você não me enviou as respostas?” – pergunta a professora. “To indo (sic)”, responde o aluno e, em seguida, manda duas fotos de textos escritos à mão, de lápis, impossíveis de ler.
Conversas entre professores e alunos pelo WhatsApp, da rede estadual, expõem uma série de dificuldades que têm enfrentado, nas aulas remotas devido à pandemia. Docentes afirmam, em uma avaliação realista, que o aprendizado, neste período, ficou muito comprometido, ao ponto de questionarem se o ano deveria ser validado ou não. Desde 23 de março, devido à pandemia, o governo tem ofertado conteúdo não presencial, mas apenas a partir de 3 de agosto elas passaram a ser contabilizadas no ano letivo – veja detalhes sobre o retorno das aulas e planejamento da Seduc.
Após diversos debates sobre isso, o Sintep, que é o sindicato da classe, formalizou, este mês, junto ao Governo um pedido de consideração desta verdade incômoda e que dê o ano letivo como “perdido”. Porém, de acordo com o presidente da entidade, Valdeir Pereira, a tendência é que “feche os olhos”, tanto é que a possibilidade de retorno das aulas presenciais foi discutida por diretores e representantes da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), em reunião por webconferência, esta semana, na quarta (23). “É a política do faz de conta”, critica o sindicalista.
Muitos problemas
Professora de História da Escola Estadual João Briene de Camargo, no bairro Lixeira, em Cuiabá, Marivone Pereira, é também vice-presidente do Sintep, na sub-sede da Capital. Ela ressalta que, além do problema tecnológico – de acesso limitado a computador e celular e a internet estável e rápida – tem ainda a questão econômica, que impactou muito no ensino-aprendizagem.
Como ela leciona no Ensino Médio, maioria dos alunos é adolescente e teve que trabalhar, nesta pandemia, para ajudar em casa.
Diante de todas essas questões, notou imenso esvaziamento das salas.
“Fala-se em um terço de presença em sala (virtual), mas nas minhas turmas não verifiquei nem isso na prática, não dá nem 30%”.
Com o Enem se aproximando, vê enorme desigualdade na disputa por vagas nas universidades entre alunos da rede pública e privada. E lamenta o processo excludente dos que frequentaram poucas aulas, usando muitas vezes dados móveis, saindo da aula quando acaba o crédito, sem sistema para uma plataforma pesada.
As aulas dela transcorrem mais pelo WhatsApp, do que pela plataforma ou através de apostilas. Alunos da zona rural, segundo resalta, estão mais prejudicados ainda.
Para ela, a avaliação da apredizagem irá passar por todas essas problemáticas.
“Sabemos que a pandemia exige o isolamento social e que as aulas remotas são necessárias, mas o que queremos é que os gestores reflitam sobre essa situação, nesse prejuízo educacional”, diz Marivone.
Alunos especiais, um drama a mais
A artesã Beyza Aparecida, 39, é mãe de um rapaz que está no 3º ano do Ensino Médio. Ele é cego. Nasceu prematuro e com 4 meses de idade veio o diagnóstico oftalmológico. Desde então, ele vem tendo o desenvolvimento escolar normal. Agora, com as aulas remotas, o processo para ele tem um agravante. Precisa de apoio de alguém para ler textos e outras informações repassadas, senão fica perdido. Antes da pandemia, a mãe o levava à escola, trabalhava e tirava a tarde para ajudá-lo. “Minha rotina mudou e a dele também. Vamos levando, mas ele não quer fazer Enem, não se sente preparado. Medo de chegar na hora da prova e se frustrar”.
Faltam professores
Outro problema que se soma a tudo isso é a falta de professores. O déficit, que de acordo com o Sintep é de 1500 vagas abertas, ocorre porque, em ano eleitoral, fica vetada a contratação, seis meses antes, seis meses depois, do pleito.
Em uma escola estadual da região Sul, diretora assegura que está sem 5 professores e isso tem dificultado tocar as aulas normalmente com toda essa vacância.
Presidente do Sintep, Valdeir Pereira, critica isso e diz que ou é falta de organização ou má fé, para economizar dinheiro, em cima dessa questão.
Rodinei Crescêncio
Outro lado
Em vídeo exposto no youtube de reunião feita com diretores da rede estadual a secretária Marioneide Kliemaschewsk reconhece que a aprendizagem ficou comprometida este ano. “A pandemia nos trouxe uma realidade diferente, necessidades diferentes, diante das inúmeras limitações, não conseguiremos desenvolver a mesma aprendizagem, que dito em ano normal, o que na realidade isso já não vem acontecendo desde 2018, porque 2019 também não foi um ano normal, decorrente da greve, e 2020, da pandemia. Ou seja os desafios que veem pela frente com relação à recuperação da aprendizagem são imensos”.
Porém em resposta ao , nega “caos no ensino remoto” e descarta totalmente considerar o ano perdido. “É importante entender que a pandemia nos trouxe para um momento de reflexão para os valores da vida e o primeiro valor da vida é a própria vida”.
A secretária diz ainda que “caos” seria perder vidas de alunos para Covid e alega que haverá um grande plano para retomada das aulas, com aval das autoridades da saúde. Perdas na aprendizagem serão, segundo ela, recuperadas.
RD News
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